No fim dos anos 1990’s, o então primeiro-ministro britânico
Tony Blair (Partido Trabalhista) liderou uma série de reuniões com figuras como
Bill Clinton (EUA), Fernando Henrique Cardoso (Brasil) e Gerhard Schröder
(Alemanha), em um movimento que ficou conhecido como Terceira Via. A ideia era revisar,
atualizar e discutir a social democracia e criar um novo paradigma hegemônico
mundial, pós-neoliberarismo, de Margaret Thatcher (Reino Unido) e Ronald Reagan
(Estados Unidos), pós-Consenso de Washington e pós-queda do Muro de Berlim. O
movimento tinha o sociólogo Anthony Giddens como seu principal intelectual e
rejeitava tanto o socialismo quanto o liberalismo. Em resumo, a Terceira Via
era uma espécie de releitura do socioliberalismo ou liberalismo social do início do século XX, que defende crescimento
econômico, empreendedorismo e liberdades econômicas mas também é a favor de que
o Estado tenha um papel importante em garantir justiça social.
A Terceira Via como movimento não produziu muito, mas, de
todo modo, Blair, FHC, Clinton e Schröder, todos de grandes (e tradicionais)
partidos em seus países, foram, em alguma medida, expressão de um mundo que
tentava superar a guerra-fria e a polarização socialismo x liberalismo. No fim,
esses políticos foram consequência de uma tendência que fez com que os partidos
tradicionais se movimentassem em direção ao centro do espectro ideológico para
ampliar seu eleitorado[1].
A ideia de Terceira Via não durou muito, mas parecia que esse movimento em
direção ao centro seria duradouro e que posições centristas é que teriam maior
possibilidade de sucesso eleitoral.
Nova Política
Após a crise econômica mundial de
2008, a crise de representação das democracias ocidentais se agravou[2].
Novos partidos e novas lideranças políticas surgiram pelo mundo rejeitando a
política tradicional. O movimento Democracia Real Ya, da Espanha, também ajudou a repensar a representação política e o modo de participação política dos cidadãos.
Com isso, há novos atores reivindicando o "novo" na política: à esquerda, essa nova política
tem se apoiado em uma maior participação direta do cidadão e em movimentos
sociais mais horizontais, em contraponto aos sindicatos tradicionais; à
direita, parece que a nova política também rejeita a figura do político
tradicional, que faz carreira e aceita as regras do partido, mas, além disso,
os políticos emergentes na direita têm revisitado o populismo, tal qual o cientista político americano Jan-Werner Müller define o termo: “antipluralismo,
isto é, a negação da legitimidade aos adversários político os ou de minorias
políticas”.
E no centro? Há novidade no centro?
Em Marcha
A eleição de Emmanuel Macron, na França, é, até agora, a
maior expressão do centro na política atual. Vejamos: Macron foi secretário
adjunto e ministro durante quase todo o mandato do socialista François Hollande,
a partir de 2012, mas aos menos desde 2009 já vinha mostrando sua contrariedade
em relação aos rumos do PS francês. Como centrista, Macron fundou em 2016 o seu
próprio partido, o En Marché! , com uma plataforma mais próxima ao socioliberalismo:
Macron defendeu ao longo da campanha cumprir a meta de 3% de déficit orçamentário (o mais
rigoroso entre os candidatos), defendeu a redução de impostos e uma
flexibilização das leis trabalhistas mas, ao mesmo tempo, defende, em alguma
medida, um modelo sueco de desenvolvimento na França, além de liberdade individuais, como
uma maior flexibilização do uso da maconha e o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Já vi gente comparando Macron com o primeiro-ministro
canadense Justin Trudeau (Partido Liberal) e até com Barack Obama (Democrata),
mas até pela estrutura partidária nova e pela origem na esquerda, acho mais
viável comparar o En Marché! com o Ciudadanos, da Espanha.
Eleições indignadas
E como Macron, um centrista assumido, conseguiu se eleger em
tempos de bolhas ideológicas nas redes sociais? Como, afinal, um discurso moderado teve
projeção em uma era de extremos?
Pra tentar entender o sucesso de Macron, primeiro vejamos os
resultados das eleições presidenciais francesas nas últimas décadas:
Realmente, não é de hoje que há grande fragmentação do voto
nas eleições presidenciais francesas. Em primeiro turno, poucas vezes algum
partido superou os 20% do eleitorado (se contarmos também os votos inválidos e
abstenções). Porém, essa fragmentação sempre teve os partidos tradicionais como
protagonistas e reais competidores. Não à toa, quase todos os segundos turnos
foram disputados entre o Partido Socialista, de Lionel Jospin e François
Hollande, e Republicanos, de Jacques Chirac e Nicolas Sarkozy. Mas sempre houve
ao menos mais três forças consideráveis nas eleições: a extrema direita, com a
Frente Nacional de Jean-Marie e Marine Le Pen; a esquerda, seja com a atual França
Insubmissa, de Jean-Luc Mélenchon, ou com o Novo Partido Anticapitalistas, a Frente
de Esquerda, a Liga Comunista Revolucionária ou com o Partido Comunista; além
do centro, do En Marché, de Macron, ou da União pela Democracia Francesa (UDF).
O que acredito que seja importante ver com a evolução do
voto na França é o reposicionamento dos partidos após a crise econômica de 2008
e de movimentos como o dos Indignados ou o NuitDebout. Desde a eleição de 2007,
tanto republicanos como socialistas vêm perdendo eleitores. Primeiro, foram os
republicanos, que estavam no poder no ápice da crise. Depois, e de forma mais
drástica, foi a queda do Partido Socialista, que não adotou as políticas que se
espera de um partido de esquerda. O resultado foi retumbante! De primeiro
colocado, os socialistas caíram para a quinta posição na eleição deste ano,
enquanto republicanos viram perder a liderança na direita para os extremistas
da Frente Nacional.
Quando vemos quem votou em cada um dos candidatos, o quadro fica mais claro:
Mélenchon se saiu melhor em grandes centros urbanos, incluindo Paris, roubando voto do Partido Socialista. Macron também parece ter roubado votos na esquerda, em especial dos mais ricos e com mais escolaridade.
Le Pen cresceu à direita com votos dos mais pobres, dos
desempregados e com menos escolaridade, enquanto Fillon teve melhor resultado
entre os mais ricos e os mais velhos[3].
O número de abstenções, votos brancos e votos nulos também
vêm crescendo desde 2008, mostrando que a crise da representação é mesmo geral e
irrestrita nas democracias ocidentais.
O centro nas eleições
de 2018
Se Macron ao centro teve êxito nas eleições francesas, será
que há espaço para sucesso do centro nas eleições de 2018 no Brasil? E quem representa
esse centro?
Pra mim, esse centro é ocupado hoje por Marina Silva, da Rede Sustentabilidade, mas suas chances de
vitória dependem de uma série de fatores que me parecem pouco prováveis de
acontecer. Vejamos:
O partido tradicional da esquerda francesa, o Partido
Socialista, chegou para as eleições de 2017 totalmente desacreditado e com um
governo de baixíssima aprovação popular, tal qual o PSOE espanhol do então
primeiro-ministro José Luis Rodríguez Zapatero entrou nas eleições de 2011. Na
França, o resultado foi uma queda profunda do PS, que perdeu votos tanto para a
nova esquerda, de Mélenchon como para o centro de Macron. Na Espanha, a queda
do PSOE foi mais gradual. Em 2011, esse movimento pela nova política ainda
estava engatinhando. E, hoje, o PSOE ainda disputa a liderança da esquerda espanhola com o Podemos de igual
para igual. Já no Brasil o PT também está em queda livre, como mostraram as eleições municipais de 2016, mas, aqui, Psol ou qualquer outro novo partido
ainda não ameaçam a supremacia petista na esquerda. Além disso, Lula desponta
como candidato do PT para presidência em 2018. Seria como Felipe González ou
François Miterrand disputassem as eleições na Espanha ou na França,
respectivamente, após longos (e populares) mandatos entre os anos 1980’s e
1990’s.
Se não bastasse a presença de Lula, presidente nos tempos de
Marina Silva como ministra do Meio Ambiente entre 2003 e 2008, a Rede
Sustentabilidade, tal qual o En Marché! ou o Ciudadanos atraem um eleitorado
muito específico. Na verdade, os novos partidos políticos têm tido melhor desempenho entre os eleitores com maior escolaridade. Na França, onde cerca de 30% das pessoas tem Ensino Superior
isso pode não ser um empecilho condicionante, mas no Brasil, onde menos de 10%
das pessoas tem Ensino Superior, isso pode sim ser decisivo!
Também pesou a favor de Macron a enorme rejeição ao
populismo xenófobo de Le Pen. Por mais que a Frente Nacional venha crescendo
após a crise de 2008, a rejeição a esse tipo de propostas da extrema-direita
encontra uma forte resistência para superar um certo patamar. No Brasil, o
similar à Frente Nacional pode ser personificado na figura do deputado federal
e pré-candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSC/RJ). Ele também representa a
extrema-direita, a xenofobia, além da misoginia e do militarismo. Bolsonaro
também vem crescendo nas pesquisas eleitorais e aparece como potencial
candidato a ir para o segundo turno. E, para Marina, acredito que o ideal seria
mesmo enfrentar Bolsonaro em um eventual segundo turno e não um candidato do PT
ou do PSDB. O problema seria chegar lá.
De todo modo, Marina Silva empacou nas pesquisas enquanto João Doria Jr (PSDB) e Lula (PT),
além de Bolsonaro, despontam como candidatos mais competitivos.
As eleições de 2016 mostraram que o PT perdeu muitos votos em comparação a 2012, principalmente nas periferias, mas ao mesmo tempo essas regiões foram onde as abstenções e os votos brancos e nulos mais crescerem. Esse eleitorado, com menos escolaridade, não vem se mostrando um potencial eleitorado dos novos partidos. Me parece que esse tipo de eleitor tende a permanecer sem votar em ninguém. Se apatia eleitoral não estiver tão alta, acho mais provável esse voto nas periferias voltar para o PT ou mesmo, como mostra a eleição francesa, esses eleitores podem se deixar levar pela onda populista de extrema-direita.
As eleições de 2016 mostraram que o PT perdeu muitos votos em comparação a 2012, principalmente nas periferias, mas ao mesmo tempo essas regiões foram onde as abstenções e os votos brancos e nulos mais crescerem. Esse eleitorado, com menos escolaridade, não vem se mostrando um potencial eleitorado dos novos partidos. Me parece que esse tipo de eleitor tende a permanecer sem votar em ninguém. Se apatia eleitoral não estiver tão alta, acho mais provável esse voto nas periferias voltar para o PT ou mesmo, como mostra a eleição francesa, esses eleitores podem se deixar levar pela onda populista de extrema-direita.
Por causa da influência do populismo e seu poder de sobre os menos escolarizados, da forte polarização
da sociedade e do modo como as redes sociais ajudam isolar essas posições
antagônicas, a esquerda, como mostrou o sociólogo Celso de Rocha de Barros em sua coluna na Folha de S. Paulo, não há, “no momento, qualquer
incentivo para a esquerda moderar seu discurso". Enquanto o centro, com
Marina Silva, não consegue gerar repercussão na sociedade por mais vezes que
Marina se manifeste nas redes sociais.
Em uma eleição pulverizada, como se mostram as mais recentes eleições, muita coisa pode acontecer, mas ainda acho difícil nos dias de hoje, de extremos ideológicos, que os partidos e o eleitor se movam em direção ao centro, tal como parecia que iria acontecer na época em que se discutia a Terceira Via.
Em uma eleição pulverizada, como se mostram as mais recentes eleições, muita coisa pode acontecer, mas ainda acho difícil nos dias de hoje, de extremos ideológicos, que os partidos e o eleitor se movam em direção ao centro, tal como parecia que iria acontecer na época em que se discutia a Terceira Via.
[1] Pode-se encontrar na Ciência Política diversos
autores que identificaram uma guinada ao centro dos principais partidos ao
longo do século XX. Otto Kirchheimer foi o primeiro a usar o termo partido catch-all; Angelo Panebianco
falou em organização "profissional-eleitoral".
Enfim, há nomenclaturas para a profissionalização dos partidos, mas não
exatamente para a tentativa do controle do centro, como aconteceu com a
Terceira Via para partidos já profissionais e institucionalizados. Hoje, com o
crescimento da apatia eleitoral das bolhas ideológicas nas redes sociais, o
centro parece ter deixado de ser atraente para os partidos terem êxito
eleitoral.
[2] Alguns estudos na Ciência Política vêm mostrando que
as pessoas continuam acreditando na democracia como melhor sistema de governo, mas elas se sentem desacreditadas no atual formato
de representação política, via partidos políticos e sindicatos, dando
preferência à entrada de novos atores ao sistema. Sobre crise da representação,
vale a leitura dos textos do cientista político Russel Dalton (bit.ly/1o9RoHI), em especial o artigo Political Support in
Advanced Industrial Democracies, disponível em: bit.ly/1KKhElY. É possível também ver indícios dessa crise com os
dados de confiança da população norte-americana nos governos: de mais de 70% no fim dos anos 1950s para menos de 20% no governo Obama, (a pesquisa completa da Pew Research
pode ser vista nas 14 páginas de Beyond Distrust: How Americans View their Government).
Também não por coincidência, o número de protestos no mundo vêm aumentando a cada ano.
[3] Os mapas de votação das eleições francesas podem apontar
para várias interpretações diferentes. É possível ver, por exemplo, semelhanças
nos votos para a esquerda com a França do Império Angevino (séc. XII) ou mesmo com a França de maioria Huguenote (séc. XVII), enquanto a direita se assemelha mais à França do Império Sacro Romano-Germânico (séc. XII) e com a de maioria católica (séc. XVII). Esses mapas praticamente se sobrepõem à divisão de
votos hoje, entre esquerda e direita, como em 2012 e 2017.
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