quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Eleições 2016 - Cadê os votos que estavam aqui?


As eleições municipais ocorridas em todo o Brasil em 2016 foram marcadas principalmente por dois fenômenos:
  1. Queda generalizada do PT
  2. Alto número de não-votos (Abstenções+Brancos+Nulos)
Como e por que isso ocorreu? Qual o significado desses dois fenômenos para a política brasileira

Primeiro, vamos aos números. Mas, ao invés do número de prefeituras ganhas por partido[1], vamos ver os votos de cada partido para vereador em todo o Brasil, somando todos os municípios:


Dos 12 partidos com maior votação no Brasil, apenas o PRB, criado em 2005, e o PSD, fundado em 2011, vêm aumentando seu eleitorado pelo país nos últimos anos. De fato, o PT é o partido com a maior queda. De mais de 10 milhões de eleitores em votos para vereador em 2008, o Partido dos Trabalhadores perdeu quase metade do seu eleitorado na eleição deste ano. Aqui, cabe lembrar que o PT governou o país em um momento de piora na condições econômicas[2]. No entanto, todos os demais também vêm perdendo eleitores.

E os não-votos (abstenções + nulos + brancos)? 


2008
2012
2016*
Brancos
3.958.805
4.874.098
4.933.534
Nulos
4.151.612
5.001.058
7.566.779
Abstenções
18.721.401
22.736.804
25.330.431

Fonte: TSE; *Dados não-oficiais extraídos a partir de cálculos dos microdados do TSE

O número de eleitores que se abstém ou vota em branco ou nulo vem aumentando consideravelmente eleição após eleição. Mesmo se não considerarmos o número de abstenções, que pode apresentar erro, os votos em nulo ou em branco passaram de pouco mais de 8 milhões em 2008 para 12 milhões em 2016. Não é pouca coisa!

Em resumo, é verdade que o PT caiu e não foi pouco.  O partido perdeu metade de seu eleitorado e voltou ao patamar de votos de 1996. Mas a queda do PT não é isolada. Outros partidos tradicionais estão perdendo eleitores. PSDB e PMDB, quando não caem, também não crescem. Ao mesmo tempo, a quantidade de votos inválidos vem aumentando exponencialmente, mostrando que há uma grave crise da representação no país, que há uma apatia em relação ao processo eleitoral e uma descrença em relação aos políticos.


Apatia eleitoral é boa pra quem?

Um discurso que está marcando a política brasileira nos últimos anos é a do candidato que não é político. O prefeito eleito de São Paulo João Doria Jr. foi um dos que se utilizou desse discurso durante a campanha: "não sou político, sou empresário", repetia o candidato.

Mas não foi só Doria. Vários “outsiders” estão aparecendo Brasil afora. A ideia aqui é se aproveitar da crise da representação e se vender como algo desvinculado ao que o senso comum entende por política.

Como visto acima, essa crise da representação é generalizada. Quase todos os partidos, principalmente os tradicionais, estão perdendo votos.

Mas será que esse comportamento é igual na direita e na esquerda?

Aí começa a ficar interessante! Os eleitores de direita parecem menos propensos a se deixarem levar pela apatia democrática que os eleitores de esquerda. Vejam o caso de São Paulo: os distritos da periferia paulistana, histórico reduto petista em eleições anteriores, foram os locais onde os votos inválidos (nulos + abstenções) mais cresceram[3].


São exatamente nestes lugares onde os votos inválidos mais cresceram que a esquerda, em especial o PT, perdeu mais votos.

Além disso, se considerarmos a votação dos partidos agrupados, a direita vem ganhando votos ao invés de perder. Isso ocorre por causa do crescimento de PRB e PSD, fundados nos últimos 10 anos. O primeiro com o apoio da Igreja Universal do Reino de Deus e de outras igrejas evangélicas e o segundo segue se aproveitando das migrações partidárias dentro da direita e da queda do DEM (antigo PFL). Na esquerda, apenas o Psol vem aumentando seu eleitorado eleição após eleição, mas o partido ainda precisa triplicar o número de eleitores pra se mostrar de fato relevante.

Vejam: quando há maior apatia democrática, parece ser a esquerda quem mais é penalizada eleitoralmente! Não à toa, o discurso antipolítico, que vem promovendo outsiders a cargos políticos por todo o Brasil, estão beneficiando majoritariamente a direita.

Aqui, há duas lógicas. A primeira diz respeito ao modo como a direita vê o papel do Estado na sociedade. Para esse grupo, o ideal é que as pessoas procurem os serviços privados ao invés dos serviços públicos. Logo, menos política é menos Estado. Consequentemente, mais políticos de direita. Cabe lembrar que a maioria da população brasileira se identifica mais com a direita. A outra lógica é que a rejeição a comportamentos desonestos é menor entre eleitores liberais (de direita). Isso foi identificado em estudo ainda inédito de pesquisadores da FGV/RJ:
“Os pesquisadores (Carlos Pereira, Lucia Barros e Rafael Goldszmidt – FGV/RJ) notaram que a tendência à punição ao político suspeito de corrupção só ocorreu quando os valores quanto à economia e aspectos sociais de eleitores e candidato eram divergentes. 
Quanto maior a convergência ideológica, maior a propensão à manutenção do voto. Embora esse efeito tenha sido significativo em todos os cruzamentos, uma nuance interessante é a de que ele foi mais intenso entre eleitores com pensamento econômico liberal”, trecho extraído de texto publicado no jornal Folha de S. Paulo pela jornalista Érica Fraga[4].
Essa apatia eleitoral explica parte da perda de votos do PT e do aumento dos votos inválidos. Outro fator que deve ser levado em conta é fragmentação partidária, em especial a causada pelo surgimento de novas forças políticas.


Quem quer saber da nova política?

As eleições de 2016 marcaram a estreia de seis partidos em pleitos municipais: Novo, Rede Sustentabilidade, Parido da Mulher Brasileira (PMB), Partido Ecológico Nacional (PEN), Partido Republicano da Ordem Social (PROS) e Solidariedade (SDD). Dos seis, três deles (PEN, PROS e SDD) já tinham participado das eleições de 2014. Mas o que eles têm de novo?

Em texto aqui do blog sobre as eleições espanholas, apontei que a nova política não significa a mesma coisa para esquerda e para a direita. Na Espanha, o Podemos representa os ideais de esquerda, mas com uma roupagem nova, defendendo movimentos sociais mais horizontais em contraponto aos sindicatos tradicionais. Já o Ciudadanos, defensor do livre mercado, se diz liberal em relação aos costumes frente ao conservadorismo tradicional na direita.

Seguindo a mesma linha, vou considerar como novo aqui somente o Partido Novo, Rede Sustentabilidade e ainda vou forçar um pouco a barra pra colocar o Psol, fundado em 2004, como representante da nova política. Outros partidos surgidos após o Psol, como PSD e PRB, não defendem valores comportamentais progressistas como o Ciudadanos. Além disso, esses partidos surgiram de bancadas parlamentares já existentes no Congresso. Ou seja, PRB, PSD, PROS e SDD, ou mesmo o PMB, são na verdade um rearranjo da composição de forças da política nacional. O PRB, ligado à Igreja Universal do Reino de Deus e ao movimento neopentecostal (evangélico) é que se mostra como algo diferente dos demais partidos fisiológicos criados recentemente. Vamos voltar ao PRB mais à frente.

Vamos antes ver quem está votando nesses partidos da nova política. Vejam os mapas de votação desses três partidos em São Paulo:




Rede e Novo são partidos com votações extremamente concentradas na região central da cidade de São Paulo. Além disso, esses dois partidos são mais votados nas regiões onde há mais eleitores com nível de escolaridade alto. Já o Psol tem votação razoavelmente expressiva em alguns bairros periféricos como Pedreira, Parelheiros, Sapopemba e São Mateus, mas o partido também é mais bem votado nas zonas eleitorais com maior escolaridade.

Ou seja, Psol, à esquerda, Rede ao centro e Novo à direita, todos com candidatos de novos movimentos sociais, ainda que antagônicos entre si, têm um eleitorado muito reduzido. Em São Paulo, os eleitores com ao menos o Ensino Médio completo chega só a 40% do total. No Brasil, o número cai para 30%. Aí a dificuldade da “nova política” de eleger candidatos pelo país.

O dilema desses novos partidos é que mudar o discurso pra tentar ampliar seu eleitorado pode fazê-los perder sua identidade. E esperar a escolaridade da população brasileira evoluir pode demorar décadas.

Por outro lado, quem está conseguindo de fato entrar na disputa com os partidos tradicionais é o PRB. Nesta eleição, o partido elegeu Marcelo Crivella como prefeito do Rio de Janeiro. Em São Paulo, Celso Russomano ficou pela segunda vez consecutiva em terceiro lugar e o partido ficou em terceiro também no número de votos para vereador. Não à toa, ao contrário dos partidos da “nova política”, o PRB tem conseguido mais votos nas periferias e onde o eleitorado tem menos escolaridade.


O PRB, que tem forte ligação com as igrejas evangélicas, vem conseguindo crescer eleição após eleição com um discurso conservador[5], encontrando respaldo na população de baixa escolaridade. Aliás, segundo pesquisa do Datafolha, quase 30% da população brasileira se declara evangélico.

A “nova política” não atrai esse eleitorado. O PT já conseguiu atrair, mas, com a piora da economia e os escândalos de corrupção brotando na mídia, ficou difícil manter esses votos.

No fim, cada tipo de eleitor vem se comportando de uma maneira e o sistema político vem se fragmentando cada vez mais. De todo modo, é preciso olhar para cada uma das facetas antes de identificar quem são os vencedores e os perdedores das urnas.


[1] Em 2016, o PT conquistou 254 prefeituras. Em 2012, havia sido 630 prefeituras.
[2] Em A Decisão do Voto nas Eleições Presidenciais Brasileiras, o cientista política Yan de Souza Carreirão (UFSC) mostra bem o quanto a economia é importante para o sucesso eleitoral do partido governista e como o eleitor pune o partido que a gere mal.
[3] Dados com resultados do voto para prefeito foram apresentados em: http://sandrogeotecnologia.blogspot.com.br/2016/10/distribuicao-territorial-de-votos-nulos.html
[4] Também vale a pena conferir o artigo When do voters punish corrupt politicians? Experimental Evidence from Brazil, dos cientistas políticos Miguel Figueiredo, F. Daniel Hidalgo e Yuri Kasahara, citados no texto da jornalista Érica Fraga na Folha de S. Paulo.
[5] Sobe o fenômeno das igrejas neopentecostais, vale a leitura da tese de doutorado do antropólogo Carlos Tadeu Siepierski: "De bem com a vida": O Sagrado num Mundo em Transformação. Sobre a relação entre as igrejas neopentecostais e a política, incluindo seu discurso conservador, Janine Trevisan traçou bem o caminho dessa corrente no Congresso em A Frente Parlamentar Evangélica: Força Política no Estado Laico Brasileiro.

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