No início do mês, o Supremo
Tribunal Federal (STF) aprovou um aumento salarial de 16,38% para os 11 membros da
casa. O argumento usado pelo ministro Ricardo Lewandowski (atual presidente do
STF) é que o reajuste iria recompor as perdas inflacionárias de 2009 a 2014 + a
estimativa do IPCA de 2015. A proposta ainda precisa passar pelo crivo do
Executivo e do Legislativo, mas acho que é uma boa oportunidade para discutir o
teto salarial dos chefes dos três poderes.
No Brasil, os maiores salários
entre os funcionários públicos ficam com os Ministros do STF e o Procurador
Geral da República, juntamente com os Deputados Federais e Senadores, do
Legislativo, no valor de R$ 33.763. Os ministros do STJ recebem 95% do teto (R$
32.075), enquanto a Presidenta e os Ministros do Executivo ficam com R$ 30.934.
Cabe lembrar que todos os valores foram reajustados em janeiro de 2015.
E aí? R$ 33.763 é muito? É pouco?
É justo? É um bom momento para reajuste?
Aliás, o Executivo já barrou em
julho deste ano um reajuste de 53% a 78,56% para os funcionários do Judiciário
de nível mais baixo (proposto pelo PLC nº28/2015). Só como referência, atualmente, um Analista
Judiciário (Nível Superior) recebe entre R$ 4.633,67 a R$ 6.957,41; um Técnico
Judiciário (Nível Médio) de R$ 2.824,17 a R$ 4.240,47; e um Auxiliar Judiciário
(Ensino Fundamental) de R$ 1.447,43 a R$ 2.511,37. E os valores não são
reajustados desde 2006.
Apenas com as informações acima já
podemos ver como aqueles que estão mais acima do nível hierárquico têm não só
mais poder de barganha, dada sua influência, como têm um poder de agenda para
definir seu próprio salário, mesmo que o valor ainda precise ser
aprovado pelos líderes dos outros poderes.
Desse modo, o salário dos líderes
dos três poderes acabam sendo reajustados praticamente todo ano, enquanto os
analistas que trabalham nos três poderes podem acabar ficando sem reajuste por
muito mais tempo.
Como referência de salário para
funcionários públicos, cabe a comparação com o salário mínimo. No Brasil, o
valor atual é de R$ 788 e vem sendo atualizado desde 2008 de acordo com a
inflação do ano anterior e com o crescimento do PIB.
Aí vamos para a brutal diferença
salarial entre quem está no topo e quem está na base. O salário da presidenta é
mais de 39 vezes superior ao salário mínimo. Isso é próximo a países como Índia
e Rússia, mas muito acima de países europeus.
Salário
Anual do Presidente¹
(em US$) |
Salário
Mínimo Anual²
(em US$) |
Salário
presidencial/ Salário mínimo
|
Índice
de Gini³
|
|
Rússia
|
136.000
|
1.865
|
72,9
|
39,7
|
Índia
|
30.300
|
767
|
39,5
|
33,6
|
Estados Unidos
|
400.000
|
15.080
|
26,5
|
41,1
|
Japão
|
202.700
|
13.291
|
15,3
|
38,1
|
Canadá
|
260.000
|
19.181
|
13,6
|
33,7
|
Reino Unido
|
214.800
|
21.246
|
10,1
|
38,0
|
Alemanha
|
234.400
|
23.750
|
9,9
|
30,6
|
China
|
22.000
|
2.541
|
8,7
|
37,0
|
França
|
194.300
|
23.205
|
8,4
|
32,7
|
¹Fonte: CNN Money
²Fonte: US State Department/World Bank ³Fonte: World Bank |
A diferença salarial da
presidenta do país e dos ministros do STF para o salário mínimo faz paralelo
com a desigualdade social no Brasil. Dos nove países listados acima, nenhum tem
uma desigualdade tão grande como a brasileira. Enquanto a Rússia, por exemplo, tem
seu coeficiente de Gini (que mede a desigualdade social) na faixa de 39,7, o
índice brasileiro ficou em 52,7 em 2012, segundo o Banco Mundial.
Agora eu volto a perguntar:
reajuste salarial de 14,6% em 2015 para os líderes dos três poderes e 8,8% de
reajuste para o salário mínimo é justo? E seguido por reajuste de 16,38% para
os líderes dos três poderes e 8,4% para o salário mínimo em 2016?
Enquanto permanecermos com uma das
maiores desigualdades sociais do mundo, enquanto tivermos uma grande parcela da
população sem acesso aos serviços básicos, enquanto o salário mínimo não for
suficiente para atender às despesas básicas de uma família[1],
um reajuste como o proposto pelo STF é vergonhoso.
A diferença de salário de quem
está no topo do funcionalismo público para quem está na base já é muito grande.
Portanto, não faz sentido que os reajustes do topo sejam maiores. Se alguém
deve receber reajuste maior que a inflação é quem ganha menos.
Nossos procuradores, juízes, ministros,
deputados não podem, não devem exigir equiparação de perdas inflacionárias enquanto
a base de nossa sociedade não receber minimamente os direitos que eles deveriam
assegurar.
Evitar esse tipo de distorção será
necessário para iniciar um caminho de maior inclusão social.
[1] Segundo o
DIEESE, o salário mínimo necessário para atender às despesas básicas de uma
família deveria ser de R$ 3.325,37: http://www.dieese.org.br/analisecestabasica/salarioMinimo.html
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