terça-feira, 18 de agosto de 2015

A desigualdade dos reajustes salariais



No início do mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou um aumento salarial de 16,38% para os 11 membros da casa. O argumento usado pelo ministro Ricardo Lewandowski (atual presidente do STF) é que o reajuste iria recompor as perdas inflacionárias de 2009 a 2014 + a estimativa do IPCA de 2015. A proposta ainda precisa passar pelo crivo do Executivo e do Legislativo, mas acho que é uma boa oportunidade para discutir o teto salarial dos chefes dos três poderes.

No Brasil, os maiores salários entre os funcionários públicos ficam com os Ministros do STF e o Procurador Geral da República, juntamente com os Deputados Federais e Senadores, do Legislativo, no valor de R$ 33.763. Os ministros do STJ recebem 95% do teto (R$ 32.075), enquanto a Presidenta e os Ministros do Executivo ficam com R$ 30.934. Cabe lembrar que todos os valores foram reajustados em janeiro de 2015.

E aí? R$ 33.763 é muito? É pouco? É justo? É um bom momento para reajuste?

Aliás, o Executivo já barrou em julho deste ano um reajuste de 53% a 78,56% para os funcionários do Judiciário de nível mais baixo (proposto pelo PLC nº28/2015). Só como referência, atualmente, um Analista Judiciário (Nível Superior) recebe entre R$ 4.633,67 a R$ 6.957,41; um Técnico Judiciário (Nível Médio) de R$ 2.824,17 a R$ 4.240,47; e um Auxiliar Judiciário (Ensino Fundamental) de R$ 1.447,43 a R$ 2.511,37. E os valores não são reajustados desde 2006.

Apenas com as informações acima já podemos ver como aqueles que estão mais acima do nível hierárquico têm não só mais poder de barganha, dada sua influência, como têm um poder de agenda para definir seu próprio salário, mesmo que o valor ainda precise ser aprovado pelos líderes dos outros poderes.

Desse modo, o salário dos líderes dos três poderes acabam sendo reajustados praticamente todo ano, enquanto os analistas que trabalham nos três poderes podem acabar ficando sem reajuste por muito mais tempo.

Como referência de salário para funcionários públicos, cabe a comparação com o salário mínimo. No Brasil, o valor atual é de R$ 788 e vem sendo atualizado desde 2008 de acordo com a inflação do ano anterior e com o crescimento do PIB.

Aí vamos para a brutal diferença salarial entre quem está no topo e quem está na base. O salário da presidenta é mais de 39 vezes superior ao salário mínimo. Isso é próximo a países como Índia e Rússia, mas muito acima de países europeus.


Salário Anual do Presidente¹
(em US$)
Salário Mínimo Anual²
(em US$)
Salário presidencial/ Salário mínimo
Índice de Gini³
Rússia
136.000
1.865
72,9
39,7
Índia
30.300
767
39,5
33,6
Estados Unidos
400.000
15.080
26,5
41,1
Japão
202.700
13.291
15,3
38,1
Canadá
260.000
19.181
13,6
33,7
Reino Unido
214.800
21.246
10,1
38,0
Alemanha
234.400
23.750
9,9
30,6
China
22.000
2.541
8,7
37,0
França
194.300
23.205
8,4
32,7
¹Fonte: CNN Money
²Fonte: US State Department/World Bank
³Fonte: World Bank

A diferença salarial da presidenta do país e dos ministros do STF para o salário mínimo faz paralelo com a desigualdade social no Brasil. Dos nove países listados acima, nenhum tem uma desigualdade tão grande como a brasileira. Enquanto a Rússia, por exemplo, tem seu coeficiente de Gini (que mede a desigualdade social) na faixa de 39,7, o índice brasileiro ficou em 52,7 em 2012, segundo o Banco Mundial.

Agora eu volto a perguntar: reajuste salarial de 14,6% em 2015 para os líderes dos três poderes e 8,8% de reajuste para o salário mínimo é justo? E seguido por reajuste de 16,38% para os líderes dos três poderes e 8,4% para o salário mínimo em 2016?

Enquanto permanecermos com uma das maiores desigualdades sociais do mundo, enquanto tivermos uma grande parcela da população sem acesso aos serviços básicos, enquanto o salário mínimo não for suficiente para atender às despesas básicas de uma família[1], um reajuste como o proposto pelo STF é vergonhoso.

A diferença de salário de quem está no topo do funcionalismo público para quem está na base já é muito grande. Portanto, não faz sentido que os reajustes do topo sejam maiores. Se alguém deve receber reajuste maior que a inflação é quem ganha menos.

Nossos procuradores, juízes, ministros, deputados não podem, não devem exigir equiparação de perdas inflacionárias enquanto a base de nossa sociedade não receber minimamente os direitos que eles deveriam assegurar.

Evitar esse tipo de distorção será necessário para iniciar um caminho de maior inclusão social.


[1] Segundo o DIEESE, o salário mínimo necessário para atender às despesas básicas de uma família deveria ser de R$ 3.325,37: http://www.dieese.org.br/analisecestabasica/salarioMinimo.html

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